O amor de Deus é colorido - frase que achei muito bonitinha :)

quarta-feira, 27 de abril de 2011

Entrevista - Chico Buarque - 1999 - Correio Braziliense

TRECHOS
(Falando das músicas feitas em época de Ditadura Militar, sobre FHC e preferências musicais)


Correio - E as músicas de protesto, quando saem do armário de novo?

Chico - De protesto mesmo, fiz poucas, talvez uma meia-dúzia. Sobre a realidade social, continuo fazendo, como Assentamento (sobre os sem-terra). A verdade é que a linguagem muda com o tempo. Se você pegar as canções do tempo da ditadura, vai ver que as tintas são mais fortes, há menos nuances, até os arranjos e o jeito de cantar eram diferentes.

Correio - E tinha que ter muita metáfora para driblar a censura, não?

Chico - Algumas tão obscuras que se tornaram incompreensíveis. Às vezes, eu mesmo não sei o que eu quis dizer com algumas metáforas de músicas como Cálice (parceria com Gilberto Gil), por exemplo.
 Correio - Uma vez entrevistei uma ex-censora - sua fã - que se orgulhava de ter contribuído para a liberação de Mulheres de Atenas. Ela disse que bateu o pé, dizendo que a música falava apenas da submissão das mulheres, enquanto alguns colegas censores viam ali uma metáfora do Brasil oprimido pela ditadura militar. Quem tinha razão?

Chico - Mulheres de Atenas foi feita para uma peça do Augusto Boal, que falava de repressão sexual. Não era nenhuma alusão ao momento do país. Acontece que naquela época havia uma forçação de barra muito grande, tanto a favor quanto contra. Ambos os lados liam politicamente o que não era.

Correio - Por exemplo?

Chico - Já disseram que o verso "de muito gorda a porca já não anda", de Cálice, era uma crítica ao Delfim Netto, que era ministro. E gordo. (Risos)

Correio
- E o que quer dizer "de muito gorda a porca já não anda"?

Chico - Não faço a mínima idéia. (Risos) Esse verso é do Gil.

Correio - Há quem diga que os versos do samba Injuriado ("Dinheiro não lhe emprestei/ Favores nunca lhe fiz/ Não alimentei o seu gênio ruim/ Você nada está me devendo/ Por isso meu bem não entendo/ Por que anda agora falando de mim") foram dedicados ao presidente Fernando Henrique, que o chamou de "repetitivo", em resposta a uma crítica ao governo dele... 

Correio - E aquele famoso verso "você não gosta de mim, mas sua filha gosta": há a versão de que você fez em homenagem à filha do Geisel, que comprava discos de Chico Buarque, enquanto o pai mandava censurar os discos de Chico Buarque...

Chico - O problema é que quando a versão é mais interessante do que o fato, não adianta você querer desmentir. Aquela música falava de uma situação que eu vivi muito: os caras do Dops (Departamento de Ordem Política e Social) iam me prender e, enquanto me levavam para depor, pediam para eu autografar discos para as filhas, que gostavam de mim.

Correio
- Então Injuriado não foi feita para o presidente Fernando Henrique?

Chico
- Claro que não.

Correio
- Mas o que você achou do Fernando Henrique ter te chamado de "repetitivo"?

Chico
- Não li essa declaração. Mas às vezes eu sou repetitivo mesmo...

Correio - Como assim?

Chico
- No sentido de que as pessoas me fazem as mesmas perguntas e este país muda tão pouco que eu sou obrigado a me repetir.
 
...

Chico - Hoje as pessoas gostam muito de compilações. E o mercado também. Uma amiga minha ouviu uma vendedora de uma loja de discos contando que uma freguesa pegou o meu CD, leu o repertório e comentou: "Ih, só tem música
nova". E não comprou. O engraçado é que eu sempre imaginei que um disco novo devesse ter música nova... (Risos)

Correio - O que você anda ouvindo?

Chico - Não tenho tido muito tempo para ouvir música, mas tem muita gente boa na nova MPB. Eu acho até chato citar alguns e esquecer outros. Mas gosto de Chico César, Lenine (um craque), Zeca Baleiro, Carlinhos Brown, Arnaldo Antunes (outro craque), o pessoal de Pernambuco, do movimento do Chico Science...




  P.S: Lenine, Zeca Baleiro, Arnaldo Antunes e Chico Science.. estou totalmente de acordo! 
     Impressiona-me o bom humor e a serenidade desse Chico, viu.
  #The best = Phoda. 

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